Estava estressado em demasia por pensar que não havia
pautado ainda nada para a edição do dia. Enquanto o ônibus transitava pela
cidade me levando ao trabalho com o pesar de uma viagem para o inferno e o
motor rugia rancoroso com a força de um leão que eu imaginava me devorar
enquanto eu não pensasse em alguma matéria interessante, mentes invisíveis iam
e viam apressadas à minha frente. Observá-las, por que não? Ah, certamente
descobriria um personagem valioso para uma pobre reportagem. Mas eu não conseguiria
enxergar com sensibilidade a riqueza das pessoas. Tudo o que vejo me faz
perguntar: “Será que isso rende?” Será que a história dessas pessoas rende?
Mas, o que é render? E será que a minha história está rendendo? Que coisa! Que
negócio sem lógica. Rapidamente os meus cinco minutos diários exatamente
cronometrados de reflexão idealista do valer ou não a pena as minhas atitudes
se diluem esparsos numa nuvem vermelha e capitalista ao lembrar-me da redação
do jornal. Inquieto-me. Xingo-me. Xingo a todos. Não, o problema é comigo. Eu
sei disso, ou será com os outros? Enfim, enquanto valorizo e julgo ser correto
o que faço e como gasto meu tempo, imerso num mundo todo azul que esconde um
fundo preto de hipocrisia não consigo enxergar mais nada. Meus sentidos mais
sublimes foram lacrados para sempre e jogados no porão da ignorância. Cessaram
a minha sensatez. A claridade do dia penetra a minha íris, mas a beleza das
coisas não invade o meu coração. Mas está tudo perfeito, a não ser pelas
constantes paradas do ônibus que me fazem sentir ódio até das senhorias que vão
descer no próximo ponto. Nem a doce
lembrança da minha namorada me faz sentir melhor. Enfim, paro os olhos
inquietos e apáticos em uma cena. Inquietos pela velocidade que o dia-a-dia
exige, mas apáticos por não enxergaram o universo além do próprio mundo, o
surreal dentro do comum. A cena não me chama a atenção, estou apenas descansado
o olhar calejado, mas pouco a pouco vou me prendendo naquilo. Tudo em volta
passa a não mais existir, observo um casal que minha pré-leitura insiste em
afirmar que são casados. Mas, por quê? Só pela idade? Exatamente por isso, não
consigo pensar diferente. Observo-os atentamente, nem me dou conta da minha
intromissão na vida alheia. É que passamos a viver imersos em bolhas fechadas
que nos asseguram e nos protegem das outras pessoas, olhar nos olhos de alguém
é uma invasão de privacidade. Mas meu senso de educação e de representação é
censurado por um dos poucos momentos instintivos de jornalista investigativo. O
casal tem entre quarenta e cinquenta anos, lembram meus pais. A mulher está
sentada abraçando o seu afeto, e este fala o tempo todo sorrindo, gesticula
muito e toca a todo instante a sua mulher. É uma cena clássica de enamorados recém-apaixonados
que conversam asneiras. Mas meu ouvido de poeta sem tuberculose consegue
identificar que falam de coisas sérias, bem sérias como a mensalidade da escola
do filho, mas onde está a preocupação? O meu modo de agir diante de tais
assuntos quer me forçar a entender que não ouvi aquilo, porém é isso mesmo. Que
inveja dessa tranquilidade para conversar sobre os problemas do dia-a-dia. Sou
agora admirador dos dois. Ela está vestida com roupas baratas, mas bem
produzida, o cabelo pintado com a tinta da venda da esquina. Ele usa uma camisa
social de mangas curtas mal ensacada em uma calça jeans cheia de bordados. A
conga de jogar bola, sem meia, calça os seus pés. Às 09h15 marcadas no meu
MontBlanc são apontadas no relógio digital dele comprado na Feira da Prata.
Quando escrever isto provavelmente estarei sorrindo ao lembrar-se dessas
figuras, provas de que o amor é de graça. Enfim, estou contagiado por esse
espírito humanista. Queria que todos no mundo fossem daquele jeito, quero minha
relação assim com a minha esposa. Vejo que o homem traz consigo algo que tenta
esconder entre o assento e a janela do ônibus. Curvo-me abruptamente de forma
gradual para enxergar o que é, a mulher percebe e se incomoda e alerta o
marido, mas consigo ver que ele guarda três pães doces em uma sacolinha. A vergonha que me falta ao observar os seus
atos é a vergonha que recobre de tristeza o homem pela minha descoberta, pois
atestei a sua pobreza. Constrangimento! Sinto vergonha pelo homem, apenas três
pãezinhos em uma sacola. Ameaço desviar o olhar com o sentimento de que sou
asqueroso por destruir a felicidade de alguém, a mulher sussurra no ouvido dele
e tenta contornar a situação embaraçosa.
Se pudesse pediria desculpas e se fosse ele perguntaria “tá olhando o
quê?”. Meus olhos querem observá-lo de novo, o cérebro não comanda minha visão,
é o coração que levanta a minha vista e dou de supetão com os olhos do homem
que acaba de analisar a sacola como se a contar o conteúdo. Ele aparenta estar
olhando para o horizonte atrás de mim, mas a simplicidade puxa seus olhos para
os meus e fixamente parados, os dois sentem que é o momento de se abrir. Simultaneamente
sorrimos. Como se não bastasse, ele ainda me oferece um dos pães. Não aceitar
seria uma denúncia de ar de superioridade, para ele seria uma desfeita. Ainda
bem que aceitei, o pão doce adoçou todo o meu dia.
Jornalismo em moldes poéticos, ou poesia de caráter informativo e crítico.
sábado, 11 de agosto de 2012
Que bom que vocês podem escolher, Por que eu vou à força pra Pasárgada
Vou-me à força pra Pasárgada
Por discordar do meu rei
Não tenho a cama que quero
Na cela que ficarei
Vou-me à força pra Pasárgada
Vou-me à força pra Pasárgada
Por não ser filho de doutor,
Não tenho a cela desejada
E por contestar meu senhor
Faço parte dessa massa
Que vai à força pra Pasárgada
E como farei ginástica
Dentro da minha cela
Exercitando a memória
Exaltando a nossa glória
Da vida que é novela
E quando lá em Pasárgada
Eu morrer aflito em vão
Meus versos não dizem nada
Comparados a um turbilhão
De mentes mecanizadas
Que vão à FORCA de Pasárgada.
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