quinta-feira, 26 de novembro de 2015

26 de setembro: 85 anos de Raymundo Asfora

ELEGIA AO POETA

Então, fez-se um silencio. Não consolas
O triste – perguntei. E o vento amigo:
Dentro da morte viverei contigo,
Cantarei a canção das castanholas.
Ó Tempo, neste leito em que te evolas
És um rio….Ao menos no perigo
Não pudestes parar? Erro ou castigo
De Deus – ó Tempo – eternidade  rolas.

Eu quero ser eterna, a voz lhe disse.
Foi, então,que o silêncio da paisagem
Interrompeu-se, para que se ouvisse

O vôo de uma sombra que se expande
Por sobre a superfície da viagem…
O nosso mundo,agora,é menos grande.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

A tragédia nas redes sociais

O pesquisador sobre midiatização Fausto Neto nos chamou a atenção para o novo caráter que as mídias assumem no nosso cotidiano, não mais como mediadores de discussões ou de ponte entre os cidadãos e os poderes. Agora, é pelas mídias que passa a própria dinâmica da vida social. Com o recente atentado terrorista à França, milhões de mensagens se alastraram pela rede mundial de computadores, smartphones, tablets, smartwacths, com informações sobre o acontecimento. Os próprios cidadãos se valeram das tecnologias para levar a amigos e parentes algum fato, alguma informação, enviando fotos ou vídeos por meio de aplicativos, de redes sociais. Estes conteúdos logo seriam acessados por não conhecidos e até utilizados por jornalistas. Em alguns casos, os próprios personagens que viveram essa história registraram algo do momento justamente pensando na relevância do caso e sabendo do potencial comunicativo daquele conteúdo.
A facilidade de acesso à internet, a disponibilidade de dispositivos móveis para criação de conteúdo e rápida disseminação e, sobretudo, a relevância do acontecimento fizeram os interessados no assunto buscar informações o tempo todo na internet, e não somente por meio dos sites de notícia, mas principalmente, nas redes sociais. No primeiro momento, os envolvidos diretamente no cenário do atentado fizeram registros que tão rapidamente seriam reproduzidos no mundo inteiro. As grandes empresas de comunicação deslocaram seus batalhões de repórteres para a capital francesa, mas nenhum material jornalístico era tão forte quanto o produzido pelos cidadãos comuns e todas as emissoras de TV, rádio, os sites e jornais impressos utilizaram sobremaneira os vídeos e áudios de whatsapp ou facebook dos franceses.
No twitter, encabeçando a lista dos trending topics no Brasil durante o fim de semana estava a hashtag #OMundoSeriaMelhorSe, convocando os usuários do microblog a refletirem sobre o atentado. Outras tags foram usadas como mecanismo de buscar pessoas desaparecidas ou de informar às autoridades francesas sobre o desaparecimento de parentes depois dos ataques. Isso tudo mostra um lado muito positivo do uso coletivo da rede em prol de ações, reflexões, debates em torno de um tema mundial. Uma mobilização internacional em solidariedade às vítimas também se construiu em função da tragédia, com mensagens de pesar dos internautas nas redes e até de estratégias das próprias empresas alocadas na internet que criaram aplicativos para colorir as fotos de perfis com as cores da bandeira francesa.

Contudo, muitos internautas não entendem a ferramenta que têm nas mãos e as possibilidades de interação. Muitas opiniões que antes ficariam confinadas, limitadas, restritas ao convívio das pessoas com seus familiares, amigos e colegas de trabalho, foram publicadas nas redes sociais e ganharam projeção maior do que deveriam e o pior é que se tratavam de mensagens negativas, denegrindo os franceses, a cobertura midiática do caso, e até, acreditem, vangloriando o feito do Estado Islâmico. Se uma lástima se concretizou em Paris, uma tragédia se desenhou nas redes sociais com a prospecção de visões tão limitadas e desumanas de tantas pessoas. Nessas horas, dá até para concordar com Umberto Eco, “Redes sociais deram voz à legião de imbecis”.

Alerta nacional (MICROCEFALIA)

Paixão platônica fecundada na dor
A placenta, grande escudo, enfraquecida
Tira a vida de quem vive para outra vida
Faz a mãe rebentar seu tesouro em terror

É uma gravidez que se inicia com amor
E que alimenta semanalmente a emoção
Mas que após o quarto mês vira gestação
De preocupação parturiente do horror

O médico foi técnico: "É microcefalia!"
E o evangélico falou que era o apocalipse
É uma farsa instaurada, o político disse
No enquanto a esperança daquela mãe falia

Pudesse eu um dia falar àquele mosquito
Eu lhe diria todo o mal que ele tem nos feito
E como a força dos homens tem se desfeito
Por alguém que não é maior que um simples cisto

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

O sesquicentenário do pai do cordel




A poesia popular está em festa e a literatura de cordel convida todos os seus representantes para a comemoração máxima dos seus tempos, pois estamos no sesquicentenário de Leandro Gomes de Barros, o pai do cordel. Nesta quinta-feira, 19, o poeta faria 150 anos e se não fisicamente, seus versos garantem sua vitalidade. Aliás, 2015 vem nos deixar mais afeitos à nossa literatura popular. Também comemoramos este ano o centenário de Louro do Pajeú, do poeta Canhotinho de Taperoá e de Rosil Cavalcanti.
Um poeta nascido em Pombal, no nosso Sertão seco, mas de terra fértil para poetas populares e crescido na Serra do Teixeira, no Vale do Pajeú, onde os cordelistas, cantadores e violeiros brotam como Flor de Mandacaru quando o céu se veste de chuva. Leandro Gomes de Barros foi o responsável por transformar os poemas que eram oralizados pelos declamadores do fim do século XIX em folhetos impressos de cordel.
Ele não foi apenas o primeiro a publicar em cordel, como também foi o maior em quantidade e qualidade nesse gênero literário. Seus títulos até os dias atuais são densamente explorados nas pesquisas acadêmicas, nas análises antropológicas, culturais, sociológicas, linguísticas, literárias. Seus cordéis impressos em folhas de papel jornal viraram livros usados em escolas e citados em exames de vestibular.
Foi a partir do seu feito que a poesia popular do cancioneiro nordestino alcançou um status maior e que podemos ter acesso às jóias produzidas nos mais longínquos torrões sertanejos pelos vates nordestinos. Ressaltando ainda que muitos destes poetas que falavam a língua do povo eram, por vezes, analfabetos. O folheto, que transcreveu os versos para o papel, guardou a memória da visão tão apurada desses retratadores da vida simples do cotidiano no nordeste.
Portanto, é tempo de festejar quem escreveu Os martírios de Geonova, Branca de Neve, O Boi Misterioso, O homem que subiu de aeroplano até a lua, A cachaça, A dor de barriga de um noivo, A mulher do bicheiro, O retirante, O dez-réis do Governo, O aumento dos impostos, O milagroso do Beberibe, A batalha de Oliveiros com Ferrabrás, A Donzela Teodora, para citar alguns exemplos que saem da cabeça sem carecer pesquisa.
Assim, Leandro continua mais do que vivo nas nossas memórias apesar dos mais de noventa anos de sua passagem. Sua poesia é a própria vida do nosso povo atravessando as gerações para lembrar nossas raízes.


Eu vou falar de Leandro
Gomes, que é de Pombal
Seu poema é atual
Mesmo estando em outro antro
Ainda derramo pranto
Por não mais entre nós tê-lo
Poeta que fez com zelo
Tirou poema do barro
Leandro Gomes de Barros
É pra os vates um espelho

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Poema de São José da Matense discute a emancipação do distrito

Conversa de um distrito com o santo padroeiro
(Por Pipa) Claudoaldo Figueiredo

Ó meu santo São José,
Patrono deste lugar,
Curvado à sombra da mata,
Hoje venho te indagar.
Eu sigo sendo distrito
Ou devo me emancipar?
- Todo rapaz ou mocinha
Pede aos pais liberdade.
Assim também é o distrito,
Que pede pra ser cidade.
Almejam os galardões,
Os louros da maioridade.
- Com sua parca mesada
Chora o filho insatisfeito.
Em igual penúria o distrito
Chora perante o prefeito.
No Fundo, quer voz ativa.
Quer líquido e certo direito.
- Tudo, porém, tem um preço
Seja à vista ou em parcela.
Até Deus pra nos dá Eva
Nos cobrou uma costela
E a liberdade é mais cara
Pra quem faz mau uso dela.
- Assim sendo, emancipar-se
Talvez não valha à pena.
Em verdade o homem é livre
Quando criança pequena.
Por mais traquina que seja
Tem sempre quem a defenda.
Urina a grama o guri,
Sem censura, com pirraça.
Se o adulto incontinente,
Faz miquitório da praça,
Ao pé do ouvido a polícia
Dá conselhos de borracha.
- Se o jovem vive ocioso,
Não estuda e não trabalha,
Jogam a culpa nas leis,
Na educação, que é falha.
Quando for um homem feito,
Jogarão nele a cangalha.
- Enquanto eu for distrito
Reputo-me inimputável.
Vejo sofrer o meu povo
Em condição lastimável
E há duas léguas daqui
Aponto pro responsável.
Por outro lado, meu Santo
Aflijo-me, esquento a cuca.
Sou a terra que proteges,
Não sou a terra do nunca.
E toda criança um dia
Chegará à idade adulta.
Dá-me, pois, discernimento.
Aponta o melhor desfecho.
- Vejo vantagem em ser grande,
Contudo, comparo o preço.
Ser grande exige preparo,
Ou será grande o tropeço.
São José da Mata-PB, aliás, Campina Grande-PB, 07 de setembro de 2015.