quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Crônica para o cronista

Última vez que o encontrei, três dias antes do trágico acidente, Mica estava em sua casa na companhia do poeta Zé Laurentino. (Foto: Elvis Guimarães - filho de Mica)
Altamir Guimarães foi um dos maiores cronistas que Campina Grande conheceu. O professor de Comunicação Social da Universidade Estadual da Paraíba era conhecido por seu jeito pouco convencional de dar aulas, sua irreverência e sua alegria. Mica, como era conhecido, foi quem deu o nome de Shaolin ao humorista Francisco Jozenilton Veloso. Bastante conhecido no meio artístico, no Calçadão da Cardoso Vieira no centro da cidade e nas mesas de bares e botequins, ele contagiou todos que o conheceram.
Mica Guimarães era uma daquelas pessoas de sorriso fácil e sempre motivado por alguma piada. Ele achava graça na vida. Vivia no limiar entre este mundo e um lugar superior. Tinha momentos em que sua risada parecia zombar de nós, pobres civilizados que levamos uma vida cinza. A vida dele era completamente colorida e entoada por uma mistura de sons do rock internacional com o brega nacional. Em seu estado de embriaguez era mais sóbrio que todos nós e sempre nos deixava embebecidos, fosse pela sua alegria tocante, fosse pela voz estridente acompanhada de palavras com álcool. Aliás, seu conhecimento cosmopolita, eclético e etílico e sua eloquência cadente tornavam a fala envolvente, mesmo bêbado. Nem Vicente Celestino deu tantos ouvidos a um ébrio como as pessoas davam a Mica. Se em algum lugar ele ver isto lerá com os olhos do duplo sentido e dará uma boa risada.
Mas para Mica a vida tinha somente um sentido: amar a Deus! Sua visão sobre Deus era a de um pai misericordioso. Ele tinha a certeza de que o Criador o perdoaria pela sua vida errante, de bar em bar. Professava a palavra divina em meio a copos de cachaça e dizia que era maior que São Tomé porque o santo só acreditava em Jesus ressuscitado vendo-o fisicamente, enquanto que ele, pobre pecador, acreditava no filho do pai divino sem nunca tê-lo visto. Na verdade, ele acreditava até quando estava embriagado. Mica não tinha medo da morte, dizia que seria um canal para encontrar com Jesus. 
Nos seus lapsos de distância do efeito etílico escrevia crônicas maravilhosas, certamente o melhor texto de toda Campina Grande, mas os produzia de forma despretensiosa, a única intenção era divagar, tentar encontrar um sentido plausível para a vida humana. Parece que tinha uma habilidade crônica, inata, para a escrita. Três dias antes de sua morte, ele falava que o corpo é uma roupa de carne que a alma veste. E como lhe caiu bem essa vestimenta. Fez uso completo de seus tecidos e teceu uma teia de bons amigos.
No último encontro com ele, o jornalista falava que as nuvens são essenciais para a vida humana por nos darem a água. Elas são, contudo, para Deus o pó da poeira dos seus pés e para Mica isto demonstrava o quanto este ser superior está acima de nós. Dizia ele: "A cabeça do ser humano está em cima do corpo e não na altura dos pés para que possamos nos aproximar um pouco do céu, olhar para cima e lembrar da presença do Criador em nossas vidas". Que triste coincidência! Três dias depois a cabeça de Mica iria ao encontro dos pés. Um Acidente Vascular Cerebral fez com que ele caísse, batesse a cabeça no chão, e depois do AVC nosso personagem veio à morte.
Foi embora como um Flâneur. Se Elvis Presley não morreu, seu fã incondicional que é Mica deve estar por aí também cantando um rock em uma praça de uma cidade interiorana. Tudo o que é crônico significa que demora bastante, transcende o tempo. Mica com certeza será sempre lembrado.   

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